França — Nos idos de 1907, o The Lancet publicou um artigo sobre um ensaio clínico feito com uma vacina contra a gonorreia. Agora, após uma pesquisa continuada ao longo dos últimos 110 anos, os cientistas podem finalmente ter obtido sucesso.
O Dr. Sébastien Fouéré apresentou os detalhes do estudo em uma coletiva de imprensa que abordou os destaques do congresso Journées Dermatologiques de Paris (JDP 2022). O Dr. Sébastien é médico e chefe da unidade de dermatologia genital e ISTs do Hôpital Saint-Louis na França.
Bactérias gêmeas
Embora a vacina contra gonorreia seja objeto de pesquisa há muito tempo, o Dr. Sébastien vê o ano de 2017 como um ponto de virada. Nesse ano, foram publicados os resultados de um estudo realizado pela imunologista Dra. Helen Petousis-Harris, Ph.D. Foi uma “importante descoberta”.
“A Dra. Helen tentou formalizar os resultados que não eram totalmente indiscutíveis publicados por Cuba, onde parecia haver menos gonococos nas pessoas vacinadas contra o meningococo do grupo B”, observou o Dr. Sébastien.
Ela conduziu um estudo de caso-controle retrospectivo em 11 clínicas na Nova Zelândia, seu país natal. Os participantes tinham entre 15 e 30 anos de idade, eram elegíveis para receber a vacina meningocócica B e haviam recebido diagnóstico de gonorreia, de clamídia ou de ambas as doenças. Os pesquisadores descobriram que a imunização com a vacina meningocócica B na infância conferiu cerca de 30% de proteção contra a infecção por Neisseria gonorrhoeae.
“Talvez não seja coincidência que a vacina meningocócica B possa proteger contra a gonorreia”, destacou o Dr. Sébastien. O médico considera essa proteção lógica, e até mesmo previsível, visto que “o meningococo e o gonococo são quase gêmeos”. Há entre 90% e 100% de homologia entre as proteínas de membrana das duas bactérias.
A vacina é eficaz
Dois estudos de caso-controle retrospectivos publicados na edição de 1o de julho de 2022 do The Lancet confirmam que a vacina confere a dupla proteção. Um dos estudos, feito por uma equipe australiana, constatou eficácia de 32%, bastante próxima à descrita pela Dra. Helen. No outro estudo, uma equipe dos EUA trouxe à tona a relação entre a dose administrada e a resposta imunológica. Uma série de vacinação parcial (dose única da vacina meningocócica contra a membrana externa do sorogrupo B [MenB-4C]) teve 26% de eficácia contra a gonorreia, enquanto a série vacinal completa (duas doses de MenB-4C) teve 40% de eficácia.
Estudos prospectivos estão em andamento e deverão gerar evidências mais robustas. O ensaio clínico ANRS DOXYVAC está em andamento desde janeiro de 2021. Os participantes são homens que fazem sexo com homens, altamente expostos a infecções sexualmente transmissíveis (ISTs), que tiveram pelo menos uma IST no ano anterior ao ingresso no estudo. “A pesquisa está sendo liderada pelo professor Jean-Michel Molina, do Hôpital Saint-Louis. [Os pesquisadores] estão tentando proteger a coorte de pacientes por meio da profilaxia pré-exposição, com a vacina meningocócica”, explicou o Dr. Sébastien.
Os achados iniciais demonstram eficácia da vacina meningocócica B na redução do risco de gonorreia e eficácia da doxiciclina como intervenção preventiva contra doenças sexualmente transmissíveis quando tomada até 72 horas após a relação sexual. À luz desses resultados, no final de outubro, decidiu-se interromper o ensaio clínico e as duas intervenções foram recomendadas para todos os participantes do estudo ANRS DOXYVAC. O acompanhamento continuará até o final de 2023. Os resultados que levaram à suspensão do estudo em seu formato atual serão apresentados no início de 2023.
Autor: Marine Cygler
2 de janeiro de 2023