Os distúrbios do sono, principalmente a insônia, têm sido referidos com relativa frequência por pacientes com covid-19 prolongada em todo o mundo, inclusive no Brasil, como mostra o estudo realizado por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal do Ceará (UFC) e publicado no periódico BMC Neurology. [1] A novidade, no entanto, é que os autores identificaram também casos de sonolência excessiva e hipersonia entre esses pacientes.
O estudo incluiu 189 pacientes, que foram acompanhados no ambulatório de neurologia do Hospital Universitário Walter Cantídio (HUWC) da UFC. Todos haviam tido infecção por SARS-CoV-2 confirmada por transcrição reversa seguida de reação em cadeia da polimerase (RT-PCR) há pelo menos quatro semanas e apresentavam sintomas persistentes ─ configurando o quadro de covid-19 prolongada.
A partir de uma avaliação neurológica, os autores identificaram que 48 (25,3%) participantes referiam sintomas relacionados ao sono, dois quais 42 (22,2%) apresentavam insônia. Seis pacientes apresentavam sonolência excessiva (3,17%). É importante destacar que nenhum participante tinha queixa relacionadas ao sono antes da infecção pelo SARS-CoV-2.
Um subgrupo de pacientes com sonolência excessiva (N = 4) foi submetido à polissonografia, ao teste das múltiplas latências do sono (TLMS) e à actigrafia. Os resultados mostraram dois pacientes com hipersonia central e um com narcolepsia. Já o quarto participante, embora apresentasse critérios clínicos de hipersonia central, os sintomas de sonolência excessiva tiveram resolução espontânea após seis meses ─ antes da primeira avaliação do estudo.
A pesquisa foi realizada durante o mestrado em ciências médicas da Dra. Álissa Moura, na UFC, sob orientação do Dr. Pedro Braga-Neto e do Dr. Manoel Sobreira-Neto, professores na mesma universidade. Em entrevista ao Medscape, a Dra. Álissa, que é neurologista e especialista em medicina do sono, explicou que a hipersonia pode ser definida como um estado de inabilidade em se manter acordado de forma eficiente durante a vigília. “Os episódios de sonolência excessiva ocorrem em situações inapropriadas, como durante conversas ou alimentação”, afirmou, lembrando que os eventos estão presentes ainda que os pacientes apresentem um tempo total de sono adequado e reparador.
As hipersonias podem ser primárias ou secundárias. Segundo a Dra. Álissa, há relatos de casos de narcolepsia — um tipo de hipersonia primária ou central — que ocorreram na epidemia de H1N1 e foram relacionados à vacina Pandemrix. [2] “Também há relatos de outras hipersonias de origem no sistema nervoso central relacionadas a vírus”, disse.
A identificação de casos de hipersonia central em pacientes com covid-19 prolongada sugere que, como outros vírus, o SARS-CoV-2 também seja capaz de causar lesões no sistema nervoso central que afetam núcleos relacionados ao sistema de sono-vigília, provocando o estado de hipersonia e aumento da sonolência diurna, com comprometimento da funcionalidade dos pacientes.
A pesquisa mostrou ainda que o uso de corticosteroides esteve associado à insônia e à sonolência excessiva, enquanto o transtorno depressivo se relacionou com sonolência excessiva. O grupo também identificou maior prevalência de declínio cognitivo subjetivo nos pacientes com distúrbios do sono. Atualmente, a equipe está completando o segundo ano de acompanhamento dos pacientes.
Fonte: Teresa Santos (colaborou Dra. Ilana Polistchuck)